Rogério Greco[1]
Paulo Cesar de Freitas[2]
A corrupção é uma praga insidiosa que tem um amplo espectro de consequências corrosivas para a sociedade. Mina a democracia e o Estado de direito, dá origem a violações dos direitos humanos, distorce os mercados, mina a qualidade de vida e permite o florescimento do crime organizado, do terrorismo e de outras ameaças à segurança humana. (Kofi A. Annan)[3]
1 - INTRODUÇÃO
O fenômeno da corrupção, em suas mais diversas manifestações, tem sido objeto de investigações pelos mais diversos especialistas e pensadores do direito em todas as partes do mundo. Embora a instituição da corrupção não seja, em absoluto, nova, estando descrita nos textos mais antigos que conhecemos, incluindo a bíblia[4], o mundo está presenciando, atualmente, um fenômeno a que Moisés Naim chama de erupção anticorrupção. Pode-se falar em uma mudança de atitude global causada por diversos fatores, sendo que o exemplo mais marcante deles talvez seja uma maior demanda por uma imprensa livre e o surgimento de uma verdadeira sociedade da informação, que conta com forte e antes impensado aparelhamento tecnológico capaz de manter a população informada de forma concomitante aos acontecimentos mais impactantes. E aí se incluem com frequência os escândalos de corrupção.
Como preleciona Antonio Núñez García-Sauco[5] , a corrupção tem origem em um conjunto de fatores de índole econômica, institucional, política, social e histórica. A corrupção e os comportamentos desprovidos de ética malversam os princípios básicos dos regimes democráticos, diminuem os níveis de confiança dos cidadãos nesses regimes e atentam contra o Estado de Direito. Ainda segundo o renomado autor, a corrupção impede o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável e destrói os sistemas legais e judiciais.
Malgrado o fenômeno da corrupção seja algo frequente em todo tipo de país, atingindo desde os países mais desenvolvidos aos menos afortunados, os seus efeitos nos países em desenvolvimento, os chamados países periféricos, como o Brasil, são reconhecidamente muito mais graves. É consenso na ciência jurídica atual que a corrupção é hoje um dos maiores entraves para o desenvolvimento de um país[6].
Tome-se o caso recente do Brasil em que escândalos de corrupção marcaram a sua história e, nos últimos anos, têm sido responsáveis por sérios problemas econômicos e sociais. O país, que caminhava a passos largos rumo á sua inserção em meio aos países emergentes e desenvolvidos, retrocedeu várias décadas. A produção e a geração de riquezas de um modo geral caíram vertiginosamente, o índice de desemprego atingiu números estratosféricos, a crença nas instituições e nos políticos e governos caiu vertiginosamente. O país passa por um verdadeiro caos e descrédito interno e no plano internacional, tudo em razão da descoberta de que seus principais líderes e governantes estariam envolvidos em uma verdadeira rede de corrupção.
O presente artigo, sem nenhuma pretensão de esgotar o tema, objetiva trazer a lume uma pequena reflexão, primeiro, sobre o manejo do direito penal e do processo penal para a prevenção e a repressão de um fenômeno tão complexo e obscuro como é a corrupção. Em seguida, intenta-se perquirir sobre a necessidade de reformas e de adaptação em um e outro dos ramos jurídicos citados, qual a importância de cada um deles para o controle da corrupção ressaltando, outrossim, os principais meios de investigação e de combate à corrupção nos dias de hoje. Por fim, ainda que en passant, em razão dos próprios limites do presente trabalho, chamaremos a atenção para um tema que tem causado grande inquietude na ciência jurídico-criminal na atualidade, qual seja, a criação do tipo penal do enriquecimento ilícito.
2 - CONCEITO
O estudo, ainda que superficial, sobre as formas de controle, de combate, da prevenção e da investigação da corrupção pressupõe, necessariamente, que se apresente um conceito de tal fenômeno, pois qualquer tipo de luta contra esta espécie tão complexa de abuso e desmando no exercício de um cargo ou poder público começa com a sua própria definição.
Manuel Villoria Mendieta adverte que “as definições de corrupção são muito numerosas e variadas, mas dificilmente se encontra alguma que possa acolher todas as possíveis modalidades de atuação corrupta.”[7] Por outro lado, ainda de acordo com o renomado jurista espanhol,
Um dos aspectos da corrupção sobre o que mais se tem avançado é o de sua própria definição. Hoje em dia existe uma enorme quantidade de estudos que, precisamente, se dedicam a analisar o que é corrupção, quais as diferentes classes de corrupção, quais as práticas corruptas mais graves e como se conectam estas definições com outras definições de seu mesmo campo semântico.[8]
O que não significa, no entanto, que exista um acordo universal sobre a definição do fenômeno estudado, mas simplesmente que existe uma ampla base de reflexão sobre o tema e que a escolha do melhor conceito pode se dar com conhecimento de causa.[9]
Francesco Khellberg, sintetizando distintas concepções, jurídica, política, ética, sociológica e econômica, assim define a corrupção pública:
A corrupção pública é a violação de normas legais ou de normas éticas não escritas, mas que contam com o apoio generalizado, relativas a como se deve exercer um cargo, função ou emprego público, para proporcionar serviços ou benefícios a certos grupos ou cidadãos de forma oculta, com a intenção de obter lucro direto ou indireto.[10]
María Victoria Muriel Patino[11], a seu turno, ao optar por uma definição bastante singela, mas de todo clara e de fácil compreensão, descreve a corrupção como sendo “o abuso de uma posição no âmbito do poder público com a finalidade de obtenção de lucro indevido”. A autora também chama a atenção para o fato de ser o fenômeno da corrupção, por sua própria natureza, difícil de definir e, as vezes, de identificar. Para a jurista, a origem do termo corrupção procederia do verbo latino rumpere, implicando assim uma conduta que supõe a ruptura de algo. Este algo, preleciona a catedrática espanhola, pode ser desde certo código moral ou social até determinada norma legal ou administrativa.
Talvez o conceito mais amplo e completo, e decerto por isso um dos mais utilizados pela ciência jurídica atualmente, seja aquele consubstanciado no Código Penal Índio que assim define a corrupção:
É culpável de corrupção aquele que ocupando ou possuindo a expectativa de vir a ocupar um cargo público, recebe, obtém, admite receber ou possui a intenção de obter de outrem, em proveito próprio ou alheio, alguma gratificação como consequência ou recompensa por praticar ou deixar de praticar algum ato de ofício ou por prestar ou abster-se de prestar, no exercício da função pública, favor ou desfavor a alguma pessoa, ou por realizar ou deixar de realizar algum serviço.
Os três documentos internacionais mais importantes e abrangentes sobre o tema, a saber, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, aprovada no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), no dia 29 de março de 1996, em Caracas, na Venezuela; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, subscrita rem 9 de dezembro de 2003, na cidade mexicana de Mérida e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, firmada na OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, esta última internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 3.678, de 30.11.2000, não cuidam de apresentar uma definição precisa de corrupção.
Andaram bem as partes encarregadas da elaboração de referidas cartas de direitos, porquanto são de todos conhecidos os riscos de se tentar conceituar um fenômeno de tamanha complexidade, multifacetário e polissemântico como a corrupção no âmbito de um instrumento jurídico. Os conceitos desta espécie, a par de sua importância, historicamente devem mesmo ficar a cargo da ciência jurídica e não do legislador. Qualquer tentativa de se apresentar uma definição legal poderia tanto restringir demais o sentido e o alcance do fenômeno como, por outro lado, ampliá-lo ao extremo de se tornar extremante difícil ou mesmo impossível a adoção de mecanismos de controle.
Como preleciona Mendieta[12], se definirmos a corrupção como o abuso de um cargo público, deixaremos de fora a corrupção no setor privado e aquela que ocorre com frequência no seio de organizações não governamentais; se optarmos por conceituar a corrupção como o abuso de uma função pública com o objetivo de lucro, olvidaremos aqueles fatos em que a contraprestação não é econômica, mas simbólica, como, por exemplo, a de impedir que a mídia afinada com o corruptor divulgue qualquer tipo de informação negativa a seu respeito; acaso tomemos a decisão de restringir a corrupção àquelas práticas em que ocorre a violação de um dever funcional com vistas à obtenção de uma vantagem indevida de caráter pessoal, seremos forçados a admitir como lícita a prática de determinado dirigente partidário que arrecada fundos para o funcionamento ordinário de seu partido político descumprindo as regras legais do financiamento partidário, uma vez que esta pessoa acaba por cumprir com seu dever legal de arrecadar a maior quantidade de recursos para o partido sem, no entanto, enriquecer-se pessoal e ilicitamente com esta prática. Não se pode, noutra senda, correr-se o risco de confundirmos ou não diferenciarmos adequadamente a corrupção política da corrupção em sentido estrito, porque se tratam, na prática, de fenômenos distintos e que devem ser investigados e combatidos com distintos instrumentos, sob pena de ineficácia das medidas de fiscalização e controle.
Mas, embora não tenham se entregado à hercúlea tarefa de conceituar a corrupção, os documentos citados cuidaram de pormenorizar algumas práticas corruptas mais comuns com relação às quais os países signatários deveriam dispensar uma atenção especial tanto em suas legislações como em suas ações de controle.
Nesse sentido, a Convenção Interamericana, estabelece, no artigo VI, que as suas disposições seriam aplicadas aos seguintes atos de corrupção:
1. a solicitação ou a aceitação, direta ou indiretamente, por um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens para si mesmo ou para outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;
2. a oferta ou outorga, direta ou indiretamente, a um funcionário público ou pessoa que exerça funções públicas, de qualquer objeto de valor pecuniário ou de outros benefícios como dádivas, favores, promessas ou vantagens a esse funcionário público ou outra pessoa ou entidade em troca da realização ou omissão de qualquer ato no exercício de suas funções públicas;
3. a realização, por parte de um funcionário público ou pessoa que exerce funções públicas, de qualquer ato ou omissão no exercício de sua função, a fim de obter ilicitamente benefícios para si mesmo ou para um terceiro;
4. o aproveitamento doloso ou a ocultação de bens provenientes de qualquer dos atos a que se refere este artigo; e
5. a participação, como autor, coautor, instigador, cúmplice, acobertado ou mediante qualquer outro modo na perpetração, na tentativa de perpetração ou na associação ou confabulação para perpetrar qualquer dos atos a que se refere este artigo.
A convenção de Mérida, a seu turno, destaca algumas condutas relativamente às quais recomenda todo um elenco de medidas e de aprimoramento das legislações visando ao seu combate e investigação. Dentre elas a Convenção de Mérida destaca:
1. A lavagem de dinheiro;
2. O suborno de funcionários públicos nacionais e estrangeiros;
3. a malversação ou peculato;
4. a apropriação indébita ou outras formas de desvio de bens por um funcionário público;
5. o tráfico de influências;
6. o abuso de funções;
7. o enriquecimento ilícito;
8. o encobrimento e a obstrução da justiça.
Para os fins deste trabalho, adotaremos um conceito mais amplo de corrupção, que engloba tanto a corrupção política, como a corrupção em sentido estrito (administrativa ou burocrática), individual ou corporativa, sistêmica ou dispersa, excluindo-se apenas de seu âmbito a corrupção no setor privado, que não envolve a participação de funcionários públicos.[13]
Poderíamos sintetizar, assim, o conceito de corrupção, com María Viviana Caruso Fontán[14], como toda violação por parte de um indivíduo (ou de uma coletividade de indivíduos) dotado de poderes de decisão no setor público, das regras que regem a atividade do agente, com o objetivo de alcançar, para si mesmo ou para um terceiro, vantagem indevida de qualquer índole.
3 - A CORRUPÇÃO E O DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
Ainda antes de se adentrar no tema central do presente artigo, que versa sobre a investigação e o combate à corrupção, torna-se necessária uma breve reflexão sobre o real papel do Direito Penal e do Processo Penal no que diz com a prevenção e a repressão do complexo fenômeno da corrupção.
A corrupção, como é cediço, não é uma novidade do mundo moderno, tampouco fenômeno até então inaudito, fruto do plexo de transformações sociais e econômicas que marcam a pós-modernidade. Conquanto ocupe lugar de destaque nos temas centrais no processo comunicativo de globalização, a corrupção trata-se, na verdade, de um dos flagelos mais antigos da humanidade, registrado em praticamente todas as formas de organização política, em todos os tempos e lugares através da história.[15]
Por esta razão, conforme preleciona Luis H. Contreras Alfaro[16], erradicar a corrupção não parece um objetivo realista. Como enfatiza o citado autor, o que podemos aspirar de forma menos utópica é garantir a proteção da sociedade frente às condutas mais graves através da proteção penal, valendo-se do direito penal como instrumento de controle social.
Constitui, de fato, ponto praticamente pacificado na ciência jurídica, de que especialmente na atualidade, pelas mais variegadas formas porque se manifesta, afetando em muitos sentidos as relações interpessoais, políticas e econômicas de nosso atual modelo de sociedade[17], em matéria de corrupção faz-se necessária a intervenção do Direito Penal. Os demais ramos do direito não se mostraram suficientes para prevenir, tampouco reprimir o plexo de condutas ilícitas, das mais singelas às mais complexas, que afetam a administração pública e os mais elementares direitos fundamentais do cidadão. Proliferam as leis anticorrupção e as leis tipificadoras de atos de improbidade administrativa, normas características de um Direito Administrativo sancionador, que preveem os mais diversos tipos de sanções restritivas de direitos. Todavia, como adverte Carmen Rodríguez Gómez[18], a imoralidade na administração pública, em maior ou menor medida, está estendida e consolidada, é sistemática. Infiltra-se em todos os setores da vida pública, da economia e da política.
Fernando Rodríguez López afirma de forma contundente que en todo caso debe reconocerse la incapacidad de las medidas del Derecho sancionador para frenar por sí solas el fenómeno de la corrupción.[19] Para o prestigiado autor, do conflito que necessariamente surge no Direito sancionador entre, de um lado a exigência de proporcionalidade das sanções e, de outro, a sua eficácia, resulta a incapacidade desse ramo do ordenamento jurídico de cumprir adequadamente o objetivo de proteção de direitos para o que foi criado.
Não se pode perder de vista, todavia, que muito embora a corrupção, na maioria dos casos, esteja associada ao crime, não é ela sinônimo de crime. Há condutas, como obtempera Carmem Rodríguez Gómez[20], que são e devem mesmo ser punidas apenas como ilícitos civis ou administrativos. Nem sempre, consoante as lições da autora, que se está diante de uma prática de corrupção, o Direito Penal deve ser invocado.
Mesmo que a prática ilícita pressuponha a violação do sistema legal, esta não implica automaticamente que tenha que ser coibida com a utilização do Direito Penal. O caráter fragmentário e de ultima ratio do Direito penal faz com que o Estado necessite demonstrar, antes de se valer daquele ramo do direito, a inutilidade ou insuficiência de outros ramos do ordenamento e, por conseguinte, de outros instrumentos não jurídicos de controle social legalmente aceitáveis.[21] .
Assim, se a primeira premissa a ser estabelecida nesta seara é a de que dificilmente se combate a corrupção em níveis epidêmicos como a que ora se vivencia no Brasil e em praticamente todos os países do mundo sem a interferência da punição criminal, como seu corolário inexorável deve-se deixar claro que o Direito penal, como ultima ratio, deve ser utilizado com parcimônia, apenas para as condutas de maior gravidade que comprovadamente não podem ser prevenidas, tampouco reprimidas por outros instrumentos legais e pertencentes a outros setores do ordenamento jurídico.
Amolda-se aqui o alerta feito por Contreras Alfaro[22]:
[...] quando sucumbimos ao alarmismo e reclamamos com veemência uma luta frontal contra o flagelo da corrupção, corremos o risco de conceber instrumentos penais processuais e materiais de difícil aplicação prática, que provoquem graves problemas de desproporção da resposta penal do Estado frente a condutas que poderiam ser melhor reguladas desde outras parcelas do ordenamento jurídico.
Forçoso seria, portanto, reconhecer que não raro em matéria de corrupção dependeremos do Direito Penal, dada a reconhecida falibilidade dos demais ramos do direito para enfrentar com eficiência o fenômeno. Mas é mister que se admita, por outro lado, que o Direito Penal é incapaz, por si só, de resolver o problema da corrupção. O que não significa que ele não possa, na verdade, que ele não deva, contribuir de forma significativa para isso, conforme preleciona Antonio Del Moral García.[23]
O que devemos ter em mente é que antes de se pretender aplicar uma sanção de natureza penal ao corrupto devemos procurar solucionar as zonas obscuras que favorecem as práticas corruptas e eliminar as zonas tradicionais de impunidade, ou seja, devemos procurar corrigir as deficiências do próprio sistema administrativo e que favorecem as mais variadas classes de abusos de poder e de locupletamento ilícito.[24]
Como muito bem observa Carmen Rodríguez Gomez:
É inadmissível que se invoque o Direito Penal a respeito de comportamentos que são fruto do deficiente funcionamento dos controles administrativos, por carências legislativas ou disfunções institucionais. [...] não podemos olvidar a importância do Direito Administrativo e de sua capacidade sancionatória.[25]
Sim. Sem nenhuma dúvida, antes de pretender invocar o Direito Penal, a ultima ratio do sistema jurídico, é mister que exploremos a capacidade sancionatória e instrumental preventiva dos demais ramos do ordenamento jurídico, especialmente do Direito Administrativo sancionador. Esta medida parece bastante óbvia se atentarmos para o fato de que o Direito Penal possui baixíssima capacidade preventiva, sendo chamado a atuar normalmente quando o ato de corrupção, com todos os seus nefandos corolários, já se consumou.
E, na esteira do entendimento esposado pelo magistrado espanhol Antonio del Moral Garcia, o manejo do Direito Penal em matéria de corrupção deve ser precedido e acompanhado de medidas preventivas tanto sociais como, singularmente, legais. De acordo com o juiz, muito maiores frutos renderão, nesta seara, algumas ferramentas extrapenais do que o uso e o abuso das sanções criminais, especialmente porque as medidas de caráter penal não raro são empregadas de forma meramente simbólica. Transparência, controles prévios profissionalizados, mecanismos de obrigatória e efetiva prestação de contas, são, dentre outras, armas que se revelam com uma capacidade preventiva muito superior à demonstrada pelo Direito Penal.[26]
Todavia, conforme já mencionado, conquanto relegado a um papel subsidiário, ao Direito Penal é reservado importante e fundamental papel na luta contra a corrupção, notadamente a corrupção sistêmica como a que ora se vivencia no Brasil e, especialmente, em sociedades como a nossa em que os demais ramos do ordenamento jurídico se mostraram incapazes de controlar a contento o nefasto e pernicioso fenômeno aqui estudado.
4 - INVESTIGAÇÃO E COMBATE À CORRUPÇÃO
Investigar e combater a corrupção está longe de ser uma tarefa fácil, quiçá uma luta que se possa travar valendo-se dos meios tradicionais de enfrentamento dos crimes comuns. A magistrada italiana Ilda Boccassini, responsável por conduzir as investigações contra Berlusconi, afirmou que era quase mais fácil lutar contra a máfia italiana que contra o referido político.
As dificuldades começam pela própria natureza dos crimes de corrupção. Como explica KLITGAARD, citado por JIMENEZ SANCHEZ, a corrupção é um crime friamente premeditado e calculado, não um crime passional. Na verdade, existem no setor público alguns santos que resistem a todas as tentações e funcionários honrados que resistem à maioria delas. Todavia, quando o tamanho do suborno for considerável e a resposta estatal em caso de ser descoberto for branda, muitos funcionários públicos sucumbirão.[27]
A obscuridade, ademais, é característica marcante das práticas corruptas. Esta opacidade, porém, supera em muito a clandestinidade que marca certos delitos com os quais estamos muito habituados a lidar no dia a dia, como o roubo, o furto, o estupro, a fraude comum, dentre outros. Ela vai muito além porque ordinariamente todo o aparato utilizado na prática do crime e todo o instrumental técnico usado para ocultá-lo está nas mãos e sob o poder direto do corrupto. Não bastasse, aquele indivíduo que normalmente serviria de testemunha fosse o crime comum, no mais das vezes quando não é coautor ou partícipe da corrupção mantém com o corrupto um verdadeiro pacto inquebrável de lealdade e de fidelidade, quer pura e simplesmente em razão dos vínculos de subordinação, quer por diversos outros motivos, como o nepotismo, o clientelismo, o partidarismo, os laços de amizade, de proximidade, admiração e respeito.
Por outro lado, se é enorme o grau de dificuldade para se investigar os crime de corrupção individual, ou seja, aquele praticado por uma ou mais pessoas certas e determinadas ou, ainda, a corrupção dispersa, que é aquela que atinge apenas alguns núcleos do aparato administrativo, como a aduana, a auditoria fiscal ou a própria polícia ou aquela corrupção que se verifica em uns poucos casos isolados, imagine-se os casos de corrupção sistêmica e corporativa praticada por diversas pessoas em conjunto, de difícil identificação e no âmbito de verdadeiras organizações criminosas, como ocorre em diversos países ibero-americanos, tendo como exemplo mais típico e recente o Brasil.
Este último tipo de corrupção – que no caso do Brasil já se tornou endêmica e epidêmica – consoante a lição de Manuel Villoria Mendieta se pratica em rede, com diversos e complexos níveis de sofisticação, tornando extremamente difícil a sua descoberta, investigação e repressão.
Estas investigações nos mostram que a corrupção mais transcendente se produz em rede. São redes de atores corruptos e corruptores que criam verdadeiros emaranhados de verdadeiros produtores de atos imorais e criminosos. Estas redes possuem diversas formas e níveis de sofisticação, que dependem de profunda investigação para se chegar apenas a compreender como funcionam em detalhe.[28]
Prossegue o renomado autor dizendo que a dificuldade maior na investigação da corrupção consiste em descobrir como se realizam as práticas corruptas e o papel que ocupam os distintos atores nas redes de corrupção. Dificuldade que se avoluma, ainda de acordo com as lições de Mendieta[29], ante a constatação de que, atualmente, a gestão pública tende normalmente a se realizar em rede e, de forma cada vez mais nítida, são redes de atores que definem problemas públicos e implementam programas de governo. Surge então, mais esta dificuldade: diferenciar as redes corruptas das redes honestas.
Um político corrupto, quanto mais graduado for o seu cargo e maior o seu poder de mando e, ainda, mais complexa a rede de servidores públicos e de agentes do setor privado a ele conectados, menos rastros deixará de seus crimes. E, ademais, as práticas corruptas ganharam muito em sofisticação e nível de complexidade ao longo dos tempos, especialmente após a sedimentação do que se convencionou chamar de globalização.
Os contratos de obras públicas no mais das vezes envolvem empresas e agentes estrangeiros e os corruptos se valem de empresas intermediárias que mantém suas sedes em verdadeiros paraísos fiscais que tradicionalmente dificultam a identificação de sócios e a análise de contratos. Os recursos obtidos com o pagamento de propinas também são canalizados, amiúde, para contas localizadas no exterior, dificultando sobremaneira a sua identificação, localização e rastreamento.
Também são acentuadas as dificuldades para se demonstrar, cabalmente, por meio de provas diretas, os links existentes entre aquele que pagou a propina, aquele que a recebeu e, notadamente, a prática do ato de ofício como contraprestação da vantagem recebida indevidamente, elementar exigida, a guisa de exemplo, por praticamente todos os crimes de corrupção previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
Não dispomos, no entanto, de uma fórmula mágica capaz de solucionar o tormentoso problema da investigação dos crimes de corrupção. No condensado espaço deste artigo, no entanto, procuraremos refletir sobre alguns institutos, fórmulas e formas de atuação das agências estatais que, se bem empregados, podem contribuir para uma maior efetividade dos trabalhos de apuração dos casos concretos e para o desbaratamento das organizações criminosas e das intrincadas redes de corrupção. Igualmente, apresentaremos algumas sugestões de reformas e de aprimoramento das legislações penal e processual penal com vistas ao melhor aparelhamento do Estado para o enfrentamento sério e eficaz do complexo fenômeno.
Antes, porém, é interessante apresentar uma breve síntese das principais áreas em que se costumam concentrar os principais focos de corrupção na Administração Pública, uma vez que este conhecimento prévio é imprescindível não apenas para que o investigador possa saber onde procurar, mas, de igual sorte, para que a agência estatal encarregada da investigação saiba os níveis de conhecimentos técnicos de que seus agentes necessitarão para a realização de uma investigação séria.
4.1 Áreas de maior concentração das práticas corruptas
Carmen Rodríguez Gomez[30], ao advertir que a corrupção se infiltra em todos os setores da vida pública, destaca as seguintes áreas em que ocorreriam com mais frequência na grande maioria dos países do mundo:
1. Os contratos de obras públicas, de aquisição de bens e de serviços públicos por parte da Administração Pública.
2. A fiscalização de obras públicas, com ênfase para a quantidade e a qualidade dos materiais e serviços nelas empregados.
3. Licenciamento de obras públicas a particulares por parte de empresas e autarquias públicas.
4. Fiscalização tributária, dentre outros.
Nesse mesmo sentido, José María Gimeno Feliu preleciona:
O mercado dos contratos públicos é onde existem as maiores tentações e o que oferece mais oportunidades para a corrupção nos distintos âmbitos das atividades do setor público. De fato, a organização Transparência Internacional afirma que a corrupção na contratação pública é reconhecida atualmente como o fator principal de desperdício e ineficiência no manejo dos recursos na região.[31]
Além de ser terreno fértil por diversos outros fatores, que variam desde a complexidade, o grande número de agentes encarregados das decisões e da fiscalização e o considerável número de empresas e agentes privados envolvidos nos mais distintos setores e canteiros de obras e serviços até a deficiência e falta de transparência das leis, regulamentos e instrumentos licitatórios que os regem, os contratos públicos se tornam atrativos para as redes de corrupção principalmente pelo grande volume de recursos que costumam movimentar. Para que se tenha uma vaga ideia, apenas na Europa no ano de 2008, a compra de bens, obras e serviços por parte do setor público atingiu cifras de cerca de 2 bilhões de euros, o equivalente a aproximadamente 17% do PIB (produto interno bruto) europeu. Em 2010, a cifra atingiu quase 20% do PIB da Europa. [32]
No Brasil, no ano de 2017 foram gastos mais de 30 bilhões de reais apenas com as obras inseridas no chamado PAC (Programa de aceleração do crescimento) e com as obras das moradias populares para a população de baixa renda, programa conhecido como Minha Casa, Minha Vida.
A importância de se conhecer os setores em que a corrupção mais avança é imprescindível para que as autoridades possam treinar e recrutar melhor os agentes que irão integrar os grupos de trabalhos e as forças tarefas incumbidas dos trabalhos de investigação criminal.
4.2 A formação de grupos e forças especiais
Em razão da complexidade do fenômeno da corrupção como procuramos demonstrar sucintamente acima, não se pode imaginar seja ele investigado pelas vias tradicionais, no âmbito de um inquérito policial, por exemplo, presidido por um Delegado de Polícia com múltiplas funções e sem nenhuma especialização como costuma ocorrer com os crimes comuns. O ideal é que sejam formados grupos de investigadores, com a participação de diversas instituições e compostos por agentes especializados nas mais distintas áreas técnicas, jurídicas e administrativas.
Um bom exemplo disso é a operação Lava-jato que no Brasil foi instituída nos moldes de uma força-tarefa encabeçada pelo Ministério Público, mas que conta em seus quadros com agentes de inúmeras outras instituições e com conhecimentos diversificados nas mais distintas áreas. Por parte do Ministério Público integram a Lava-jato membros com expertise no combate às organizações criminosas e no desbaratamento de redes complexas destinadas à prática de toda sorte de infrações penais; procuradores da república com conhecimento e experiência no rastreamento e repatriação de capitais enviados ilegalmente para o exterior e em acordos de cooperação internacional. Integram, ainda, o grupo, agentes da polícia federal, da receita federal, contadores, especialistas em tecnologia da informação, profundos conhecedores dos procedimentos burocráticos e do funcionamento da máquina pública, licitações, contratos públicos, dentre outros.
Ganharam corpo, outrossim, mais recentemente no Brasil, os grupos de atuação especial destinados ao combate ao crime organizado, intitulado na grande maioria dos Estados da Federação de GAECO-Grupo de atuação especial no combate ao crime organizado. Diferentemente de uma força tarefa convocada e reunida para a investigação de fatos específicos, os GAECO´s são grupos permanentes, constituídos no âmbito dos Ministérios Públicos estaduais e se destinam ao enfrentamento permanente das organizações criminosas, com especial ênfase no combate à corrupção. Tomando como espelho as bem sucedidas forças-tarefa, os GAECO´s são em sua essência compostos por diversas instituições, como a Polícia Civil, a Polícia Militar, a Polícia Rodoviária Federal, a Receita Estadual e Federal etc. e também contam em seus quadros com agentes especializados nas mais diversas áreas, incluindo o setor público administrativo, a tecnologia da informação, a circulação de capitais e inúmeros outros.
Para combater crimes de alta complexidade, com a atuação de criminosos em rede e profundamente organizados, o Estado também precisa se organizar. E a formação das forças tarefa e dos grupos especiais nos moldes acima retratados parece ser um importante caminho a ser trilhado.
4.3 Acordos premiados de delação e de colaboração
Conforme mencionamos ao longo deste estudo, a corrupção tem como característica central a opacidade. É muito difícil penetrar em seus meandros.[33] Esta realidade faz com que não raro na origem de uma investigação ou um processo por crimes relacionados com a corrupção se encontre uma denúncia de um cúmplice arrependido ou com desejos de vingança por não ter sido atendido em algum de seus requerimentos. Estas delações de arrependidos, constituem importantes colaborações que muitas vezes são imprescindíveis tanto para a deflagração, como para o sucesso das investigações.[34]
Conforme acentua GARCIA,
Pode-se relembrar toda uma série de processos famosos que foram desencadeados pelas revelações daqueles que inicialmente se moviam com absoluta normalidade no mundo das condutas ilícitas e que, após um choque de interesses, revelaram uma trama com a qual até aquele momento conviviam e compactuavam sem nenhum escrúpulo.[35]
Atentos a esta realidade, muitos países, como o Brasil, fizeram inserir em seus ordenamentos jurídicos institutos como a delação ou colaboração premiada. A delação premiada, consoante a lição de Damásio Evangelista de Jesus, é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório ou em outro ato processual.[36] O legislador, para incentivar aquele que também se viu envolvido na prática da conduta criminosa, prevê como prêmio a redução da pena ou até mesmo a extinção da punibilidade do colaborador.
Mas a delação premiada é apenas uma das hipóteses de um instituto mais amplo conhecido como colaboração premiada. Se na delação premiada o coautor ou partícipe colabora entregando, denunciando um terceiro, isso não significa que não possa haver colaboração premiada sem que se impute um fato a outrem, nos moldes de uma delatio criminis tradicional. A simples confissão, com significativa colaboração, como a entrega de provas e dos lucros auferidos com a conduta criminosa também pode ser premiada e se constituir em importante colaboração com a investigação.
No Brasil, tanto a delação como a colaboração premiadas estão previstas em diversas leis. Todavia, estes institutos foram melhor sistematizados na Lei 12.850/2013 – a nova lei de organizações criminosas – mais precisamente nos artigos 4º a 7º sob a rubrica “Da colaboração Premiada”.
Malgrado as inúmeras críticas dirigidas aos referidos institutos pelos mais diversos segmentos da ciência jurídica, a delação e a colaboração premiadas são ferramentas das quais não se pode prescindir no âmbito de uma investigação que se pretende séria e minimamente eficaz contra atos de corrupção. O uso das offshores, a ocultação de recursos financeiros nos paraísos fiscais, o grande número de agentes envolvidos na rede de corrupção em que A exige de B um certo valor a título de propina para realizar determinado ato de ofício, mas a propina lhe chega depois de percorrer longo caminho passando pelas mãos de dezenas de envolvidos, a forma calculada e amplamente planejada com que se realiza o ato de ofício de sorte a lançar uma cortina de fumaça sobre os seus reais beneficiários, tudo isso deixa o investigador na dependência direta de um colaborador, o que torna extremamente valiosa uma delação.
Não se está aqui afirmando que não é preciso ter cautela ao pretender valorar como prova as declarações de um delator ou mesmo que toda e qualquer prova obtida a partir de uma delação ou colaboração premiada terá igual e irrestrito peso. É preciso desconfiar e sopesar as razões que moveram o delator a fim de se evitar a legalização de denunciações caluniosas. Todavia, a exigência de cautela não pode significar o rechaço puro e simples de tais importantes institutos sob o manto de que seriam, todos, marcados por uma imoralidade que macularia irremediavelmente o instituto.
A história recente mostra a importância e a imprescindibilidade da delação e da colaboração premiadas para o desbaratamento de grandes esquemas de corrupção, como ocorreu na seara das operações Lava-jato, no Brasil, e Mãos Limpas, na Itália.
De toda sorte, no caso brasileiro, devidamente regulamentadas por lei federal, a delação e a colaboração premiadas, a par das severas críticas suportadas, foram referendadas pela Suprema Corte em diversas decisões, no bojo das quais se exigiu apenas a observância de determinados requisitos, todos previstos em lei, para a sua homologação e validação.
4.4 Whistleblowing
A legislação whistleblowing apresenta instituto muito semelhante à uma delação ou colaboração premiadas, todavia, difere daqueles institutos substancialmente à medida em que pressupõe que o autor da notitia criminis ou do malfeito se trate de um cidadão qualquer que não tenha participado do crime, não tenha chegado a integrar de nenhuma forma a organização criminosa denunciada, nem seja o autor dos atos ilícitos objeto de suas declarações.
Segundo Juliana Magalhães Fernandes de Oliveira[37], a legislação whistleblowing cria um instituto de política criminal para a descoberta de atos ilícitos. A ideia básica é transformar cidadãos em informantes (denunciantes) em favor do Estado. Prossegue a autora esclarecendo que:
O instituto não se confunde com a chamada delação premiada [...]. A delação premiada é a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório ou em outro ato processual. [...] Ao contrário, o agente whistleblower não está envolvido na organização criminosa. É um terceiro sabedor de informações relevantes, seja por decorrência do exercício direto de seu trabalho, seja por razões eventuais.[38]
Em linhas gerais, o que uma legislação whistleblowing visa é incentivar o cidadão comum, aqui denominado whistleblower (“soprador de apito”) a relatar às autoridades competentes a existência de esquemas de corrupção ou de outros tipos de crimes de especial gravidade e de difícil apuração, oferecendo, como contrapartida, uma recompensa, que pode tanto ser uma quantia fixa em dinheiro, como um percentual dos eventuais recursos públicos repatriados a partir das investigações e processos deflagrados com a sua colaboração.
O instituto, pouco conhecido e difundido especialmente no Brasil, vem sendo largamente utilizado, com excelentes resultados, em outros países, como os Estados Unidos da América. Além de poderem as autoridades públicas contar com o apoio do cidadão comum que, não fosse o incentivo calcado na recompensa financeira dificilmente colaboraria voluntariamente com preciosíssimas informações, afastam-se as tão comuns críticas e impugnações que marcam as delações premiadas.
É muito comum, de fato, as acentuadas críticas de que o instituto da delação premiada ofenderia os paradigmas éticos da Constituição Federal de 1988, “apresentando confiabilidade questionável, uma vez que o delator naturalmente tem interesse na condenação do comparsa delatado para ser beneficiado pelas vantagens legais.”[39]
Por sua vez o agente whistleblower não tem interesse na incriminação do comparsa, pois disto não se beneficia, tampouco integra qualquer grupo criminoso. O whistleblower é impelido a agir por razões morais, diante da repugnância natural que exsurge pela constatação de um crime (ou ato ilícito, em geral), destacadamente aqueles cometidos em desfavor da Administração Pública.[40]
Afigura-se premente, portanto, que notadamente países como o Brasil, assolados pela corrupção sistêmica, aprovem legislações whistleblowing a fim de que a luta contra a corrupção possa contar com mais esta poderosa ferramenta abrindo novos caminhos para a investigação de resultados.
O Brasil parece ter dado um primeiro passo em direção à institucionalização do whistleblowing em nosso ordenamento jurídico. Com efeito, editou-se a Lei 13.608, em 10.01.2018 que dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliem nas investigações policiais. No art. 4º, a citada lei prevê que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas competências, poderão estabelecer formas de recompensa pelo oferecimento de informações que sejam úteis para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos.
Consoante preleciona Rhasmye El Rafih[41], fato é que muito embora a Lei 13.608/18 apenas se refira aos crimes (e ilícitos) administrativos, ela inaugurou um caminho que tende a abranger também crimes de toda ordem: relacionados à defesa do patrimônio público, da probidade administrativa, da organização e do exercício dos direitos políticos, dos direitos humanos, da ordem econômica e tributária, do sistema financeiro, da prestação de serviços públicos, do meio ambiente, da saúde pública, das relações de consumo e da livre concorrência.
4.5 Prisão preventiva
Cconquanto se revista do status de extrema ratio, mormente após a mini reforma do Código de Processo Penal brasileiro de 2011, que modificou a sistemática infraconstitucional das medidas cautelares, a prisão preventiva em muitos casos não só pode, como deve ser aplicada independentemente da submissão prévia do acusado ou investigado a outros modelos de restrição menos invasivas de suas liberdades fundamentais.
Assim, embora deva ser utilizada com parcimônia e responsabilidade, a prisão preventiva é instrumento proessual legítimo e que, observados os requisitos e pressupostos legais que a autorizam, não tem a sua decretação vinculada à prévia utilização de outros meios menos gravosos. É medida de exceção, mas que pode ser decretada ou mantida sempre que se fizerem presentes os requisitos dos artigos 311 e seguintes, do Código de Processo Penal.
Como preleciona Eduardo Espínola Filho a prisão preventiva é uma medida de força, em sacrifício da liberdade individual, reclamada pelo interesse social de apurar perfeita e completamente as violações da lei penal e:
“[...] possui a tríplice finalidade de assegurar, à justiça, que se conserve, à sua disposição, acessível, no distrito da culpa, o indicado como responsável por uma infração penal; de evitar as manobras, de que possa lançar mão, para estorvar a produção regular da prova; de garantir a sociedade contra o prosseguimento da atividade delituosa do agente.[42]
Dessa forma, a prisão preventiva não raro pode se apresentar como instrumento legítimo e imprescindível para tanto no âmbito das investigações, como durante o desenrolar dos processos por crimes de corrupção. Em muitos casos apenas a prisão do agente corrupto é que poderá garantir o livro acesso dos investigadores às provas, bem como garantir que elas não sejam destruídas ou inutilizadas. Em outras tantas, a colheita de elementos fundamentais para o desbaratamento de uma intrincada rede de corrupção somente terá êxito, mesmo em se tratando da prova testemunhal, estando o corrupto respondendo às investigações ou ao processo devidamente custodiado.
O que se repudia, não se pode confundir, mesmo em matéria de corrupção, é o abuso da prisão preventiva com vistas a exercer pressão nos custodiados em busca de delações ou colaborações premiadas. Afora isso, a prisão preventiva, desde que adstrita às hipóteses legais de risco para as investigações e para o processo, não pode ser descartada, podendo perfeitamente ser largamente utilizada para que o Estado possa cumprir com eficácia a árdua função de controle da corrupção.
4.6 Do necessário aprimoramento da lei material e processual penal
Antonio Del Moral Garcia[43] afirma que embora o Direito Penal não seja capaz de, por si só, acabar com a corrupção, ele pode e deve contribuir para isso. Mas, o renomado autor adverte sobre a necessidade de reformas tanto na legislação penal, como na legislação processual penal para que estas legislações apresentem-se, de fato, como instrumentos eficazes e não meramente simbólicos na luta contra a corrupção.[44] Para o autor, nada obstante, as causas da ineficiência da Justiça Penal para neutralizar de forma exitosa estes fenômenos não teríamos que buscá-las primariamente na deficiência das leis substantivas (Direito Penal material). Seria, segundo o lecionado, eminentemente processual o território no qual se imporiam mudanças que redundariam em uma maior eficácia da Justiça Criminal.[45]
Coadunamos com as assertivas do citado autor no sentido de que de pouca valia terá as modificações no Código Penal (embora necessárias e urgentes) se não promovermos, ao mesmo tempo, profundas reformas na legislação processual, retirando os seculares e tradicionais entraves ao bom andamento das investigações e do processo. Um Direito Penal eficaz não é aquele que promete penas elevadas e extremamente graves mas, e sobretudo, aquele que se compromete com uma punição certa, célere e eficaz.
Sabemos que as medidas mais eficazes de prevenção da corrupção estão a cargo do Direito Administrativo. A Convenção de Mérida, no capítulo II, que trata das medidas preventivas da corrupção, deixa isto bastante claro, ao recomendar a cada Estado signatário a adoção de medidas para dar mais transparência às licitações e aos contratos públicos, aprimorar a gestão dos assuntos e bens públicos, cuidar adequadamente da admissão, demissão e aposentadoria dos servidores públicos e instituir mecanismos de prestação de contas adequados e eficientes.
Mas essas medidas administrativas não retiram do Direito Penal a sua parcela de responsabilidade também sobre a prevenção. Um Direito Penal que se pretende eficaz no controle da corrupção precisa necessariamente contribuir com sanções que desencorajem a prática corrupta. Sempre que o agente público compreender que os lucros obtidos com o crime serão infinitamente menores do que o preço a ser pago ao Estado por meio da reprimenda penal, ele vai pensar duas vezes antes de agir. Mas não é só. É mister que o corrupto, mais do que conhecer a gravidade da sanção a que pode estar sujeito, precisa ter a certeza de que será condenado e que a condenação não tardará a ocorrer.
Então, a primeira reforma a ser feita na lei substantiva seria a adequação das penas previstas para os mais diversos crimes nos quais ordinariamente incorre o corrupto, tornando-as proporcionais aos delitos cometidos e aos ganhos auferidos ou almejados pelo agente público malfeitor. E aqui não estamos falando apenas de penas de prisão, mas igualmente e especialmente de penas não corporais, como a inserção de pesadas multas, efetivo ressarcimento aos cofres públicos lesados, perda do cargo e da função pública e a inabilitação para a contratação com o Poder Público por consideráveis lapsos temporais.
De ver-se, portanto, que uma reforma no Direito Penal para transformá-lo em um instrumento mais eficaz no controle do complexo fenômeno da corrupção não passa necessariamente pela criação de uma infinidade de tipos penais, sendo suficiente, muito provavelmente, apenas uma minirreforma nos tipos que aí estão e a inclusão de algumas poucas novas infrações penais, dentre elas o crime de enriquecimento ilícito, recomendado pela Convenção de Mérida e do qual teceremos algumas considerações nos tópicos que se seguem. Tudo, claro, acompanhado de uma necessária reforma, esta sim de maior amplitude, no Direito Processual Penal transformando-o em um instrumento capaz de garantir a celeridade e a certeza da incidência penal.
É importante não olvidar, nesta seara, como preleciona Alfaro, que:
[...] o denominador comum da corrupção como categoria jurídico-penal não passa então pela qualidade especial do autor do delito, senão por aquilo que a tipificação penal pretende evitar, que não é outra coisa que o desvio da função pública dos interesses gerais determinados de conformidade com a Constituição e com as leis. [46]
Assim, quando falamos de crimes de corrupção não estamos necessariamente nos referindo aos crimes previstos no capítulo dos crimes contra a Administração Pública. Qualquer reforma minimamente séria deve atentar para toda uma gama de delitos que normalmente são alcançados pelas redes de corruptos, como a lavagem de capitais, no Brasil prevista na Lei 9.613/98, o crime de organização criminosa, previsto em nosso país na Lei 12.850/2013, a obstrução da Justiça, além de diversos outros delitos insertos na legislação muitas das vezes genericamente como fraudes diversas, a falsificação e o uso de documento falso etc.
Como Alfaro muito bem observa,
[...] um esboço de corrupção como categoria jurídico-penal poderia abarcar desde delitos contra a Administração Pública até manifestações de delinquência econômica organizada que utilizem a corrupção como método de infiltração nos poderes públicos, passando por casos de criminalidade governamental e formas de delinquência socioeconômica, como as fraudes em prejuízo do patrimônio estatal ou do patrimônio público comunitário [...].[47]
No condensado limite deste artigo, porém, trataremos breve e pontualmente apenas das principais reformas que sugerimos sejam levadas a efeito com maior urgência tanto no Direito Penal material, como no Direito Processual Penal.
4.6.1 Direito Penal material
Nos limitaremos, em razão dos objetivos deste trabalho e diante da impossibilidade de aprofundamento do tema, a apontar duas medidas que reputamos mais prementes no âmbito das modificações da lei penal substancial: a ampliação dos prazos prescricionais e a tipificação do delito de enriquecimento ilícito.
4.6.1.1 Da prescrição
A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção prevê expressamente, no artigo 29, do Capítulo III, que trata da penalização e da aplicação da Lei que:
Cada Estado Parte estabelecerá, quando proceder, de acordo com sua legislação interna, um prazo de prescrição amplo para iniciar processos por quaisquer dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção e estabelecerá um prazo maior ou interromperá a prescrição quando o presumido delinquente tenha evadido da administração da justiça.
Grande parte dos países signatários, no entanto, incluindo o Brasil, não adotaram nenhuma medida no sentido de cumprir os termos da recomendação feita pelas Nações Unidas e subscrita por eles próprios.
É importante observar, todavia, que no caso do Brasil, por exemplo, o que se verifica também nos ordenamentos jurídicos de outros países, ampliar os prazos prescricionais importa, necessariamente, na majoração das penas. Nas hipóteses de corrupção sistêmica, em que a grande maioria dos parlamentares a quem incumbe a reforma está sendo investigada ou processada por crimes de corrupção, caso brasileiro, majorar penas e incrementar prazos prescricionais constitui verdadeiro tabu, sendo tarefa das mais difíceis e que precisa contar com forte apelo popular.
Outra questão interessante a ser observada, também tomando como exemplo o ordenamento jurídico brasileiro, é que os crimes contra a Administração Pública normalmente contam com penas máximas cominadas de considerável gravidade. Os crimes de peculato e de corrupção passiva, previstos nos arts. 312 e 317, do Código Penal Brasileiro, v. g., têm como pena máxima 12 anos de reclusão, além da multa. O Crime de concussão, a seu turno, conta com pena máxima cominada de 8 anos de reclusão.
A princípio cria-se no imaginário popular a falsa ideia de que o legislador não só cominou penas privativas de liberdade gravíssimas para tais delitos como cuidou de alargar, por conseguinte, os prazos de prescrição, uma vez que da combinação dos artigos citados com os dispositivos legais que regulam os prazos prescricionais no Código Penal brasileiro (artigos 109 e seguintes), a prescrição se verificaria, para a corrupção e o peculato em 16 anos e, para a concussão, em12 anos.
É cediço, todavia, que há no Brasil atualmente uma verdadeira cultura da pena mínima, restando a pena máxima cominada como um balizamento legal meramente simbólico, quase nunca invocado. O que de fato acaba por regular a prescrição é a pena mínima que, uma vez concretizada na sentença, passa a direcionar não apenas a prescrição da pretensão executória como, ademais, a prescrição da pretensão punitiva (prescrição retroativa, art. 110, do Código Penal) e a prescrição intercorrente, privilegiada, a primeira, pelo longo decurso do processo e, a segunda, pela grande quantidade de recursos protelatórios postos à disposição dos corruptos processados.[48]
Retornado aos exemplos citados dos crimes de peculato, corrupção passiva e concussão, tem-se que malgrado as relativamente altas penas máximas, a tais crimes são cominadas penas mínimas muito baixas. Para os três crimes, com efeito, o legislador brasileiro prevê penas mínimas de apenas 2 anos de reclusão, o que faz com que a prescrição se verifique em diminutos 4 anos.
É preciso, pois, que se exija uma reforma emergencial que corrija as distorções, sob pena de perpetuação do cenário atual em que a impunidade no mais das vezes grassa porque as autoridades encarregadas da investigação e do processo, ainda que consigam descortinar os obscuros esquemas de corrupção, não gozam de tempo suficiente para o manejo e o sucesso das respectivas ações penais. Ou, por outro lado, ainda que exemplarmente condenados, os corruptos dificilmente chegam a cumprir suas penas. Como dito, o que regula os prazos prescricionais quando eles de fato importam é a pena mínima e não a máxima cominada aos diversos delitos.
Outra importante medida recomendada pela convenção da Onu contra a corrupção, mas que até o momento constitui letra morta, é a criação de novos marcos interruptivos da prescrição, a ser verificados tanto durante as investigações, como no decorrer da ação penal e sempre que o investigado ou acusado praticar qualquer tipo de manobra tendente a protelação do feito com vistas à ocorrência da prescrição.
4.6.1.2 Da tipificação do crime de enriquecimento ilícito
A Convenção de Mérida contra a Corrupção prevê, em seu artigo 20, que os Estados Parte promovam, em seus ordenamentos jurídicos, a inserção de um novo crime, o crime de enriquecimento ilícito.
Verbis:
Com sujeição a sua constituição e aos princípios fundamentais de seu ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adotar as medidas legislativas e de outras índoles que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do patrimônio de um funcionário público relativos aos seus ingressos legítimos que não podem se razoavelmente justificados por ele.
Nesse mesmo sentido, a Convenção Interamericana contra a Corrupção recomenda a tipificação do referido delito.
A tipificação de um delito que puna o simples enriquecimento seu causa é de suma e fundamental importância no atual cenário mundial em que a corrupção ultrapassa as fronteiras de países e continentes e se diversifica e se ramifica de tal forma a tornar difícil ou praticamente impossível que no âmbito de um processo criminal se demonstre cabalmente a prática de toda uma cadeia de atos necessárias à condenação dos delinquentes na imensa maioria dos crimes contra a Administração Pública e correlatos. Mesmo quando os investigadores conseguem rastrear o tortuoso caminho dos recursos financeiros pagos a título de propina e identificar os agentes responsáveis em meio a uma verdadeira cadeia de envolvidos, permanece a dificuldade ou a impossibilidade de se comprovar a realização de um determinado ato de ofício e de que maneira a referida atuação do servidor público teria beneficiado o pagante. Na imensa maioria dos casos é possível demonstrar facilmente o descompasso entre o patrimônio do sujeito, adquirido após a assunção de cargo, emprego ou função pública. Já comprovar o liame entre o acréscimo patrimonial e alguma prática ilícita no mais das vezes é extremamente difícil, senão impossível.
Encontrar, porém, a descrição, uma espécie de tipo-penal modelo para o crime de enriquecimento ilícito que sirva de eficaz instrumento de controle social da corrupção, mas, ao mesmo tempo, preserve os postulados centrais do Estado democrático de direito, seja talvez o verdadeiro desafio.
Tipificar o enriquecimento ilícito nada mais é do que descrever um tipo penal que comine uma sanção para a incapacidade de se demonstrar satisfatoriamente a origem lícita um patrimônio vultoso e incompatível com os ganhos regulares do agente. O grande desafio, no entanto, como acentua Héctor Hernández Basualto[49], é encontrar a adequada tipificação que seja compatível com as garantias penais e processuais básicas de um Estado de Direito sem incorrer no abuso de tipificações abertas, em tipos legais permeados por conceitos vagos e indeterminados, escudados em normas penais em branco, ora a consubstanciar condutas já previstas em outros tipos incriminadores dando ensejo à verdadeiro conflito aparente de normas e, por conseguinte, a manifesto bis in eadem e, em maior ou menor medida, a violações de direitos fundamentais ao pretender aberrações tais como a inversão do ônus probatório com o nítido afastamento tácito do princípio da presunção de inocência.
Outra questão importante a ser levada em consideração é se o mais adequado seria a tipificação ampla do enriquecimento ilícito, como ocorre no Direito Francês ou se apenas deveria o legislador se preocupar com o enriquecimento ilícito em matéria de crimes funcionais, como se dá no Direito dos países ibero-americanos.[50]
De fato, a análise do ordenamento jurídico francês, da qual se encarregou o professor Chileno, releva que a tradição francesa é a da tipificação do enriquecimento ilícito de forma ampla, de sorte a atingir crimes como aqueles praticados por organizações criminosas, o tráfico ilícito de entorpecentes e até mesmo crimes sexuais. A incriminação que tem tido maior notoriedade naquele país, no entanto, é aquela que pune o enriquecimento ilícito do agente que, possuindo simples laços de habitualidade com pessoas dedicadas ao tráfico ou ao uso de drogas, não consegue justificar a origem de seu patrimônio. [51]
Dispõe, com efeito, o artigo 222-39-1, do Código Penal francês, com redação dada Lei 96-392, de 13 de maio de 1996:
O fato de não poder justificar os recursos correspondentes ao seu patrimônio, possuindo relações habituais com uma ou mais pessoas dedicadas a alguma das atividades reprimidas pela presente seção [tráfico ilícito de estupefacientes] o com várias pessoas dedicadas ao uso de entorpecentes, será apenado com pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos e multa de 500.000 francos.
Mais recentemente, atento à onda de terrorismo que assolou aquele país e diversos outros países europeus, o legislador francês entendeu por bem tipificar um novo delito de enriquecimento sem causa, desta feita para atingir qualquer crime grave:
O novo art. 321-6, do Código francês, assim dispõe:
O fato de não poder justificar os recursos correspondentes a seu patrimônio ou de não poder justificar a origem de um bem do qual detém a posse, mantendo relações habituais com uma ou mais pessoas que se dediquem a prática de crimes ou de delitos punidos com pelo menos 5 (cinco) anos de prisão e que lhes reportem em benefício direto ou indireto [...], será punido com uma pena de 3 (três) anos de prisão e multa de 75.000 euros. Será punido com as mesmas penas o fato de facilitar a justificação de recursos fictícios para pessoas que se dediquem à pratica de crimes ou de delitos punidos com pelo menos 5 (cinco) anos de prisão ou que lhes reportem em benefício direto ou indireto.
O professor Héctor Basualto[52] atenta, por outro lado, para o fato de que diversamente do ordenamento jurídico francês, a tendência ibero-americana é a de tipificar o delito de enriquecimento ilícito circunscrevendo-o aos crimes contra a Administração Pública.
Preleciona, ademais, o citado autor que se antes era tímida a tendência à tipificação do crime de enriquecimento ilícito na América latina, após o advento da Convenção Interamericana contra a Corrupção o cenário mudou, haja vista que esta carta de direitos exerceu forte influência sobre ditos países, criando uma verdadeira tendência à sua tipificação. Na atualidade, são vários os países latino-americanos que contam com uma tipificação penal nesses moldes: Argentina, Peru, Colômbia, Chile, dentre outros.
Infelizmente o Brasil ainda não sucumbiu às recomendações da ONU e da OEA e segue refratário à uma discussão mais séria nesse sentido. O mais próximo que chegamos da inclusão em nosso ordenamento de um tipo penal destinado à punição do enriquecimento ilícito foi o projeto de lei oriundo das “10 Medidas contra a Corrupção”, proposto a partir de uma campanha pública promovida inicialmente pelo Ministério Público Federal, especialmente pelos procuradores integrantes da Força Tarefa. Projeto de lei este que, como é público e notório, foi completamente desfigurado quando chegou ao Congresso Nacional.
O tipo penal proposto estava assim redigido:
Art. 312-A. Adquirir, vender, emprestar, alugar, receber, ceder, possuir, utilizar ou usufruir, de maneira não eventual, bens, direitos ou valores cujo valor seja incompatível com os rendimentos auferidos pelo servidor público, ou por pessoa a ele equiparada, em razão de seu cargo, emprego, função pública ou mandato eletivo, ou auferidos por outro meio lícito:
Pena – prisão, de 3 (três) a 8 (oito anos), e confisco dos bens, se o fato não constituir elemento de crime mais grave.
§ 1º Caracteriza-se o enriquecimento ilícito ainda que, observadas as condições do caput, houver amortização ou extinção de dívidas do servidor público, ou de quem a ele equiparado, inclusive por terceira pessoa.
§ 2º As penas serão aumentadas de metade a dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a terceiras pessoas.
Sem deixarmos de louvar a iniciativa do Ministério Público Federal, acreditamos, no entanto, que um tipo penal do enriquecimento ilícito que não corra o risco de se tornar letra morta, caindo na vala comum de toda uma miríade de crimes meramente simbólicos que permeiam o nosso ordenamento jurídico, precisa ganhar em amplitude e prever sanções mais severas, especialmente aquelas que alcançam a vida pública futura do agente corrupto. O tipo penal inserto no artigo 268-2, do Código Penal argentino parece ser um importante ponto de partida:
Enfoque-se:
Será punido com pena de prisão de 02 (dois) a 06 (seis) anos, multa de 50% a 100% do valor do enriquecimento e inabilitação absoluta e perpétua, aquele que, devidamente requerido, não justificar a procedência de um enriquecimento patrimonial apreciável seu ou de interposta pessoa utilizada para dissimulá-lo, ocorrido posteriormente à assunção de um cargo ou emprego público e até 02 (dois) anos após cessado o seu exercício. Se entenderá que houve enriquecimento não apenas quando o patrimônio se houver incrementado com dinheiro, coisas ou bens, senão também quando se houver cancelado dívidas ou extinguido obrigações que afetavam o agente. A pessoa interposta para dissimular o enriquecimento será punida com a mesma pena que o autor do fato.
Observe-se que o modelo argentino é bem mais amplo e completo do que aquele projetado para a legislação brasileira. Além de praticamente não deixar nenhuma válvula de escape para o corrupto, alcança expressamente o patrimônio de pessoa interposta, os populares “laranjas” e prevê sanções de proibição de inabilitação para o serviço e a contratação com o Poder Público para o resto da vida do corrupto.
4.6.2 Direito Processual penal
Como dito, de pouca valia terão as modificações no âmbito do Direito Penal, por mais profundas, se mantivermos um sistema processual penal arcaico e composto de dispositivos legais vetustos e que se apresenta como o verdadeiro obstáculo à efetividade da Justiça Penal, deficiências que se agravam em matéria de ações e de investigações envolvendo as complexas redes de corrupção de que cuidamos linhas alhures. Mais uma vez a preciosa lição do Magistrado Espanhol Antonio Del Moral García aqui se amolda como uma luva:
A ineficiência da Justiça penal frente aos fenômenos de corrupção é patente. As condenações até que ocorrem. Mas acontecem tarde demais em razão de longos e incômodos processos. As investigações se prolongam: reiteram-se diligências, os autos vão se avolumando. Se acumula documentação cujo exame e sistematização se faz difícil e tormentoso, tomando muito tempo dos investigadores. A cada vez vão surgindo mais condutas e novos imputados.[53]
A situação do direito processual brasileiro talvez se apresente ainda mais deficitária e ineficaz do que aquela apresentada pelo citado autor ao se referir ao modelo espanhol. A exemplo do que ocorre com as investigações espanholas retratadas pelo magistrado, no Brasil possibilita-se ao investigado apresentar, como matéria de defesa ou simples esclarecimento, já no limiar das investigações, volumoso acervo documental, artimanha corriqueira dos investigados que, conhecendo as deficiências e limitações técnicas dos investigadores, contribuem para a formação de altos de grande volume cuja tendência é o seu esquecimento nos escaninhos da Polícia e do Ministério Público diante até da dificuldade de manuseio, quiçá de sistematização e escorreita análise.
Mas não é só. Existem no processo penal brasileiro diversos pontos e institutos carentes de reforma ou até mesmo de extinção, porquanto constituem verdadeiros entraves que impedem que um processo por corrupção possua uma duração razoável e atinja o seu objetivo, qual seja, uma sentença condenatória e, mais do que isso, uma condenação não tardia, que possa ser executada a tempo e modo, permitindo, de fato, ao Direito Penal, cumprir com a sua missão constitucional. Citemos alguns deles:
4.6.2.1 Notificação prévia do réu para responder a denúncia
Exige-se, no processo penal brasileiro (art. 514), que o funcionário público processado por crimes praticados no exercício da função seja notificado para que apresente defesa antes mesmo do recebimento da denúncia. Como destaca Nestor Távora[54], a grande peculiaridade do processo e do julgamento dos crimes envolvendo funcionários públicos é a exigência de notificação prévia do denunciando antes do recebimento da denúncia. Em outras palavras, o investigado se defende amplamente durante os longos anos de investigação; recebe nova oportunidade de defesa logo que proposta a ação penal, antes de seu conhecimento e recebimento pelo Poder Judiciário. E, uma vez mais, tem nova e ampla oportunidade de defesa reaberta logo após a instrução e antes de sua defesa propriamente dita no decorrer da instrução e antes da prolação da sentença final.
Esta exigência legal, a par de absurda, tem como resultado prático, na imensa maioria dos casos, a impunidade. Os processos criminais por crimes movidos contra funcionários públicos permanecem anos paralisados apenas aguardando a sua localização para a intimação e apresentação desta evidentemente desnecessária resposta que antecede o recebimento da denúncia. Há, pois, toda uma gama de ações ajuizadas que são extintas antes mesmo de sua aceitação pela Justiça. Sem contar que quando o Estado consegue notificar o suspeito, após a resposta e com a decisão de recebimento da denúncia, a lei exige a citação propriamente dita, sob pena de nulidade do processo. Perde-se, apenas com estes dois atos, vários anos, tempo este que poderia ser utilizado para a real instrução e condenação dos culpados, mas que acaba apenas sendo contabilizado para os fins da prescrição, que fatalmente ocorrerá nestes casos.
O Superior Tribunal de Justiça, atento a esta realidade, tentou restringir o alcance do ultrapassado dispositivo legal, limitando-o apenas àquelas situações em que a denúncia toma como base elementos de convicção que chegaram ao Ministério Público por outras vias, diversas do inquérito policial.
Diz a Súmula 330, do STJ:
“É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514, do Código de Processo Penal, na ação instruída por inquérito policial.”
Mas essa medida, conquanto digna de aplausos, não é suficiente. A uma porque a imensa maioria das ações penais ajuizadas por crimes perpetrados por funcionários públicos atualmente têm como base peças de informação produzidas no âmbito de inquéritos civis públicos ou outros expedientes a cargo do Ministério Público. Cada vez mais afasta-se da polícia judiciária, especialmente da polícia dos Estados, esta incumbência, sobretudo diante da alta complexidade das investigações e do pouco ou nenhum aparelhamento técnico das polícias. Segundo, porque a Súmula, não contendo caráter vinculante, tem sido simplesmente ignorada por juízes e tribunais, ancorados na doutrina que em sua maioria tem se apresentado refratária à posição da Corte Superior.
4.6.2.2 Prioridade de tramitação
A exemplo dos crimes hediondos e equiparados, também os crimes de corrupção deveriam receber da Justiça Criminal tratamento prioritário. De fato, a recente lei 13.285, de 2016, inseriu no Código de Processo Penal brasileiro o art. 394-A, que prevê que os processos que apurem a prática de crime hediondo terão prioridade de tramitação. Ora, quer algo mais hediondo do que a corrupção? O legislador brasileiro perdeu uma excelente oportunidade tanto de incluir a corrupção no rol dos crimes hediondos, como de inseri-la na lista dos processos que tramitarão de forma prioritária. Prazos prescricionais curtos, processos volumosos e com dezenas de acusados e sem o rótulo da tramitação prioritária formam os ingredientes perfeitos para a prescrição e, por conseguinte, a impunidade.
4.6.2.3 Foro privilegiado
Previsto pela primeira vez na Constituição Republicana de 1891, no seu art. 57, § 2º, que deu competência ao Senado para julgar os membros do Supremo Tribunal Federal nos crimes de responsabilidade e, ao STF, para julgar os juízes federais inferiores (art. 57, § 2º) e o Presidente da República e os Ministros de estado nos crimes comuns e de responsabilidade (art. 59, II), o foro privilegiado sempre existiu no Brasil a partir de então, ora em menor, ora em maior grau, previsto em todas as Constituições subsequentes.
Com a Constituição Federal de 1988, no entanto, o foro por prerrogativa de função, além de não ser extinto – seria este o papel de uma constituição que se pretende a mais democrática de todas – foi consideravelmente ampliado. São milhares de políticos e de autoridades no Brasil desde a sua edição, que passaram, então, a contar com o verdadeiro privilégio de serem julgadas por um tribunal especial. Diz-se verdadeiro privilégio porque o foro por prerrogativa de função, em sua essência, visa à proteção do cargo, ao resguardo do interesse público inerente à função, e não à subtração deste ou daquele agente do juiz ou do tribunal capaz de julgá-lo de forma justa e eficaz, como é o que se tem visto na prática.
Não é razoável, ademais, que o agente público goze do Direito de ser julgado por um tribunal especial mesmo quando o crime por ele praticado ocorreu fora do âmbito de suas funções ou mesmo antes de seu exercício e não guarda nenhuma relação com cargos, empregos ou funções públicas, tratando-se de um crime comum, como é a regra no Brasil.
O plenário do Supremo Tribunal Federal brasileiro, em recente data – 03/5/2018 – ao julgar questão de ordem no âmbito da Ação Penal 937, ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Marcos da Rocha Mendes, reconheceu a inconstitucionalidade do foro por prerrogativa de função, senão em sua inteireza pelo menos em seu sentido e alcance, decidindo, por maioria de votos (7x4) restringir o benefício. Segundo a Corte Suprema, os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal somente terão direito ao foro especial com relação aos crimes praticados durante o exercício de suas funções e que guardem estreita conexão com o cargo público. Crimes praticados antes do exercício dos mandatos ou mesmo os crimes comuns praticados durante o exercício do múnus público são julgados pela Justiça comum, resguardadas as regras ordinárias de competência.
A decisão do STF constitui inegável avanço, embora ainda não seja a melhor, tampouco a definitiva solução para a questão. Apenas com o fim do foro privilegiado ou com a sua verdadeira restrição a situações excepcionalíssimas em que de fato o tratamento igualitário colocaria em risco a causa pública, é que se possibilitará a punição mais célere, imparcial e efetiva dos políticos envolvidos em esquemas de corrupção.
CONCLUSÃO
Os crimes contra a Administração Pública abarcam algumas das infrações penais mais nefastas e devastadoras, uma vez que, geralmente, mesmo atingindo diretamente a Administração Pública, indiretamente causam dano a um número indeterminado de pessoas, a exemplo do que ocorre com o delito de corrupção passiva, previsto no art. 317, do Código Penal brasileiro.
Na maioria das vezes, a sociedade não tem ideia dos estragos causados quando um funcionário corrupto lesa o erário. Imagine-se, tão somente para efeitos de raciocínio, os danos causados por um superfaturamento de uma obra pública. O dinheiro gasto desnecessariamente na obra impede que outros recursos sejam empregados em setores vitais da sociedade, como ocorre com a saúde, fazendo com que pessoas morram na fila de hospitais por falta de atendimento, haja vista que o Estado não tem recursos suficientes para a contratação de um número adequado de profissionais, ou mesmo que, uma vez atendidas, essas pessoas não possam ser tratadas, já que faltam os necessários medicamentos em suas prateleiras. Sem querer ir monte longe, perdemos a conta de quantas vezes já ouvimos, pela imprensa, que a merenda escolar não estava sendo oferecida na rede pública de ensino por falta de verbas.
Assim, só por amostragem, percebe-se que muitas infrações praticadas contra a Administração Pública são infinitamente mais graves do que até mesmo aquelas elencadas no Título I do Código Penal brasileiro, que trata dos crimes contra a pessoa. Sem querer exagerar, mas fazendo uma radiografia dos efeitos gerados por determinados crimes praticados contra a Administração Pública, podemos afirmar que o homicida pode causar a morte de uma ou mesmo de algumas pessoas, enquanto o autor de determinados crimes contra a Administração Pública, a exemplo do que ocorre com o crime de corrupção, é um verdadeiro exterminador, uma vez que, com seu comportamento, pode produzir a morte de centenas de pessoas, pois não permite ao Estado cumprir com as funções sociais que lhe são constitucionalmente atribuídas.
A prevenção e o tratamento punitivo da corrupção, portanto, deve estar na ordem do dia, merecendo lugar de destaque entre as prioridades estatais. Todavia, como procuramos demonstrar no limitado espaço deste artigo, sem nenhuma pretensão de esgotar o tormentoso tema, seria utópico crer que o Direito Penal, por si, seria capaz de erradicar a corrupção ou mesmo de reduzi-la a níveis insignificantes ou mesmo suportáveis. Antes mesmo da intervenção penal, marcadamente repressiva, é mister que se realize um trabalho sério de prevenção a cargo dos demais ramos do Direito, em especial do Direito Administrativo sancionador.
Nada obstante, falhando o Direito Administrativo sancionador e se fazendo necessária a intervenção do Direito Penal, este só terá a eficácia que dele se espera se contar com mecanismos e institutos capazes de efetivamente fazer frente a fenômeno tão complexo como é a corrupção: penas proporcionais, que desestimulem a prática do ato corrupto, prazos prescricionais razoáveis que possibilitem uma apuração séria e a aplicação da sanção ainda que entre os dois extremos decorra lapsos temporais mais longos, tipos penais que alcancem as condutas mais graves e que facilitem a produção de prova, como a punição do mero enriquecimento ilícito, dentre outros. E, por fim, um Direito Processual penal livre dos tradicionais entraves burocráticos e que forneça ao Direito substancial um instrumental que lhe garanta o cumprimento de sua missão constitucional e, o mais importante, garanta a certeza da punição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALFARO, Luis H. Contreras. Corrupción y principio de oportunidad penal: alternativas en materia de prevención y castigo a la respuesta penal tradicional. Salamanca: Ratio legis, 2005.
ANNAN, Kofi A. Convención de las Naciones Unidas contra la corrupción. Oficina de las Naciones Unidas Contra la Droga y el Delito, Nueva York: Naciones Unidas.
BARRA GALLARDO, N. Fenómenos de corrupción em el mundo actual. Relación entre lo privado y lo público. Santiago de Chile, 2007.
BASUALTO, Héctor Hernández. El delito de enriquecimiento ilícito de funcionarios en el derecho penal chileno. Valparaíso-Chile: Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. Págs. 183-222
BENITO SANCHEZ, C.D. Blanqueo de capitales y fraude immobiliaria. In: Sanz Mulas, N. (coord..). El desafio de la criminalidad organizada. Granada, 2006, p. 95-128.
BERNAL, Javier Sánchez. Efectos endémicos de la corrupción sistémica: una barrea al desarrollo. Salamanca: Tribuna e boletín de la FICP, nº 2014-1, abril.
CALLEGARI, A. L. Lavagem de dinheiro. Aspectos penais da lei 9.613/1998. 2 ed. Porto Alegre, 2008.
CASTRO CUENCA, C. G. La corrupción en la contratación pública en Europa. Salamanca, 209.
CEREZO. Curso de Derecho Penal español, parte general II, Teoria jurídica del delito. 6 ed. Madrid 1988; III Teoria jurídica del delito – 2, Madrid, 2001.
COELHO, Edihermes Marques; MESQUITA, Gil Ferreira. Metodologia da Pesquisa Jurídica. Minas Gerais: Editora Ipedi, 2005.
COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
COCCIOLO, Endrius Eliseo. Las mutaciones del concepto de corrupción. Revista de llengua i dret, núm. 50, 2008, p. 17-51.
CREUS, Carlos. Derecho Penal: Parte General. 3ª ed. Buenos Aires: Astrea, 1992.
ENGISH, K. Introdução ao pensamento jurídico. Nota introdutória e trad. Da 3ª ed. Alemã por J. Batista Machado, 1966.
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Editora Jus Podium, 2018.
FABIÁN CAPARRÓS, E. A. El delito de blanqueo de capitale. Madrid, 1998.
FELIU, José María Gimeno. La corrupción en la contratación pública. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson.
FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 4ed. São Paulo: RT, 2005.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: Teoria do Garantismo Penal. 3 ed. Prefacio de Norberto Bobbio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. 925p.
______. Por uma Teoria dos Direitos e Bens Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
FONTÁN, María Viviana Caruso. El concepto de corrupción. Su evolución hacia un nuevo delito de fraude en el deporte como forma de corrupción en el sector privado. Nueva época, núm. 9/2009: 145-172.
GARCÍA, Antonio Del Moral. Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson.
GARCÍA-SAUCO, Antonio Núñez. La Convención de Naciones Unidas contra la Corrupción. In La Corrupción en un Mundo Globalizado: Análisis interdisciplinar. Coords. Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004.
GOMEZ, Carmen Rodríguez. Aspectos penales de la corrupción en la administración pública. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. Coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 189-212.
GONZÁLEZ, Vázquez Carlos. Extensión y tendencias de los delitos de corrupción. Fiabilidad de los instrumentos de medición de la corrupción. Revista de Derecho Penal y Criminología, 3ª época, nº 6, 2011. págs. 361-408.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Rio de Janeiro: Ímpetus, 2018.
JIMENEZ SANCHEZ, F. La corrupción urbanística en España. En I Jornadas de delincuencia medioambiental en Canarias, enero, 2010.
KHELLBERG, Francesco. Corruption as an analytical problem: some notes on research in public corruption. Artigo apresentado no International Political Science Association XVIII World Congress, Quebec, Agosto.
LÓPEZ, Fernando Rodríguez. Puede el derecho sancionador frenar la corrupción?. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis.
MENDIETA, Manuel Villoria. La corrupción política. Madrid: Editorial Síntesis, 2006.
OLIVEIRA, Juliana Magalhães Fernandes. A urgência de uma legislação whistleblowing no Brasil. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senaso, Maio/2015 (texto para discussão nº 175). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 15.8.2018
PATINO, María Victoria Muriel. Aproximación macroeconómica al fenómeno de la corrupción. In La Corrupción en un Mundo Globalizado: Análisis interdisciplinar. Coords. Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004.
ROSE-ACKERMAN, S. La corrupción y los gobiernos. Causas, consecuencias y reforma. Madrid, 20012.
SKOL, Michael. Apresentação da obra La Corrupción en un Mundo Globalizado: Análisis interdisciplinar. Coord. Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004.
[1] Rogério Greco é Procurador de Justiça em Minas Gerais; Pós-doutorando pela Universitá Degli Studi di Messina (Itália); Doutor pela Universidad de Burgos (Espanha); Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Formado Pela National Defense University (William J. Perry Center For Hemispheric Defense Studies) em Combate ao Crime Organizado Transnacional e Redes Ilícitas nas Américas; Especialista em Direito Penal (Teoria do Crime) pela Universidad de Salamanca (Espanha); Palestrante em congressos e universidades em todo o país; autor de diversas obras jurídicas; Embaixador de Cristo. [2] Paulo Cesar de Freitas é Promotor de Justiça em Minas Gerais; Doutorando em Ciências Penais e Política Criminal pela Universidad de Salamanca, na Espanha; Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU); Especialista em antiterrorismo, combate à corrupção e às organizações criminosas pela Universidad de Salamanca, na Espanha; professor em Cursos de Pós-graduação, palestrante e autor de obras jurídicas. [3] Convención de las Naciones Unidas contra la corrupción, Oficina de las Naciones Unidas Contra la Droga y el Delito, Nueva York: Naciones Unidas. [4] SKOL, Michael. Apresentação da obra La Corrupción en un Mundo Globalizado: Análisis interdisciplinar. Coord. Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004. p. 9-10. [5] GARCÍA-SAUCO, Antonio Núñez. La Convención de Naciones Unidas contra la Corrupción. In La Corrupción en un Mundo Globalizado: Análisis interdisciplinar. Coord. Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004. P. 13-14. [6]PATINO, María Victoria Muriel. Aproximación macroeconómica al fenómeno de la corrupción. In La Corrupción en un Mundo Globalizado: Análisis interdisciplinar. Coord. Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004. P. 27-39. [7] MENDIETA, Manuel Villoria. La corrupción política. Madrid: Editorial Síntesis, 2006, p. 26. [8] Ídem, p. 12. [9] Ídem, p. 12. [10] KHELLBERG, Francesco. Corruption as an analytical problem: some notes on research in public corruption. Artigo apresentado no International Political Science Association XVIII World Congress, Quebec, Agosto 1-5. [11] Aproximación macroeconómica al fenómeno de la corrupción. In La Corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar: Coordinadores Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: Ratio Legis, 2004, p. 27. [12] La corrupción política. Madrid: Editorial Síntesis, 2006, p. 26. [13] A corrupção pode ser classificada como sistêmica, subsistêmica e dispersa a depender do nível em que se encontram suas práticas no interior de determinada sociedade. A primeira denominação é reservada para as situações em que ela domina a totalidade do sistema político, como parece ser o caso do Brasil. A esse fenômeno Ferrajoli denomina de um infraestado no interior de outro Estado que assume a condição de fachada. Corrupção subsistêmica é aquela que domina apenas um setor do Estado, como a polícia ou a os órgãos fiscais da receita, por exemplo. Dispersa, por fim, é a corrupção que se manifesta apenas em casos isolados. (Collao, Luis Rodríguez. Delimitación del concepto penal de corrupción. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. Valparaíso, Chile, 2004, pp. 339-359. [14] FONTÁN, María Viviana Caruso. El concepto de corrupción. Su evolución hacia un nuevo delito de fraude en el deporte como forma de corrupción en el sector privado. Nueva época, núm. 9/2009: 145-172. [15] ALFARO, Luis H. Contreras. Corrupción y principio de oportunidad penal: alternativas en materia de prevención y castigo a la respuesta penal tradicional. Salamanca: Ratio legis, 2005. [16] ALFARO, Luis H. Contreras. Corrupción y principio de oportunidad penal: alternativas en materia de prevención y castigo a la respuesta penal tradicional. Salamanca: Ratio legis, 2005 [17] Ídem. [18] GOMEZ, Carmen Rodríguez. Aspectos penales de la corrupción en la administración pública. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 189-212. [19] LÓPEZ, Fernando Rodríguez. Puede el derecho sancionador frenar la corrupción?. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 189-212 [20] GOMEZ, Carmen Rodríguez. Aspectos penales de la corrupción en la administración pública. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 189-212. [21] GOMEZ, Carmen Rodríguez. Aspectos penales de la corrupción en la administración pública. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 189-212. [22] ALFARO, Luis H. Contreras. Corrupción y principio de oportunidad penal: alternativas en materia de prevención y castigo a la respuesta penal tradicional. Salamanca: Ratio legis, 2005. [23] GARCÍA, Antonio Del Moral. Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 52-81. [24] GOMEZ, Carmen Rodríguez. Aspectos penales de la corrupción en la administración pública. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 189-212. [25] Idem, p. 194. [26] Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 51. [27] JIMENEZ SANCHEZ, F. La corrupción urbanística en España. En I Jornadas de delincuencia medioambiental en Canarias, enero, 2010. [28] La corrupción política. Madrid: Editorial Síntesis, 2006, p. 11. [29] La corrupción política. Madrid: Editorial Síntesis, 2006, p. 11. [30] GOMEZ, Carmen Rodríguez. Aspectos penales de la corrupción en la administración pública. In La corrupción en un mundo globalizado: Análisis interdisciplinar. coords.: Nicolás Rodríguez García y Eduardo A. Fabián Caparrós. Salamanca: 2004, Ratio Legis. p. 192. [31] FELIU, José María Gimeno. La corrupción en la contratación pública. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 15. [32] Ídem, p. 13-49. [33] GARCÍA, Antonio del Moral. Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 51 [34] Ídem. [35] Ídem, p. 65. [36] Estágio atual da delação premiada no Direito Penal Brasileiro. Disponível em http://jus.com.br/artigos. [37] OLIVEIRA, Juliana Magalhães Fernandes de. A urgência de uma legislação whistleblowing no Brasil. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senaso, Maio/2015 (texto para discussão nº 175). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 15.8.2018. [38] Ídem, p. 6. [39] OLIVEIRA, Juliana Magalhães Fernandes. A urgência de uma legislação whistleblowing no Brasil. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senaso, Maio/2015 (texto para discussão nº 175). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 15.8.2018 [40] Idem, p. 6. [41] Algumas consequências da premiação patrimonial do whistleblowing no âmbito criminal e em programas de compliance: impactos inaugurais da Lei 13.608/2018. Boletim IBCCRIM ano 26, nº 39, Agosto de 2018, p. 7-8. [42] Código de Processo Penal brasileiro anotado, vol. III, Campinas: Bookseller, 2000, p. 435 [43] GARCÍA, Antonio del Moral. Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson. [44] GARCÍA, Antonio del Moral. Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 51-81. [45] GARCÍA, Antonio del Moral. Justicia Penal y Corrupción: análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 51-81. [46] ALFARO, Luis H. Contreras. Corrupción y principio de oportunidad penal: alternativas en materia de prevención y castigo a la respuesta penal tradicional. Salamanca: Ratio legis, 2005. [47] ALFARO, Luis H. Contreras. Corrupción y principio de oportunidad penal: alternativas en materia de prevención y castigo a la respuesta penal tradicional. Salamanca: Ratio legis, 2005. [48] Art. 110. A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais aumentam-se de um terço, se o condenado é reincidente. § 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. [49] BASUALTO, Héctor Hernández. El delito de enriquecimento ilícito de funcionários en el derecho penal Chileno. Revista de Derecho de la Pontifícia Universidad Católica de Valparaíso. XXVII. Valparaíso, 2º semestre de 2006. P. 183-222. [50] BASUALTO, Héctor Hernández. El delito de enriquecimento ilícito de funcionários en el derecho penal Chileno. Revista de Derecho de la Pontifícia Universidad Católica de Valparaíso. XXVII. Valparaíso, 2º semestre de 2006. P. 183-222. [51] Ídem. [52] El delito de enriquecimiento ilícito de funcionarios en el derecho penal chileno. Revista de Derecho de la Pontificia Universidad Católica de Valparaíso. XXVII. Valparaíso, 2º semestre de 2006. P. 183-222. [53] GARCÍA, Antonio del Moral. Justicia Penal y Corrupción: Análisis singularizado de la ineficiencia procesal. In prevención y tratamiento punitivo de la corrupción en las contratación pública y privada. Madrid: 2016, Editorial Dykinson, p. 51-81. [54] Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Editora Jus Podium, 2018.